8.13.2009

O Gás Da Verdade

Pois eu tenho aqui um conto muito bom que afirmo ser digno de um fenomenal e extraordinário retorno.



Não é um conto. É uma pesquisa acerca do gás da verdade.
Como poucos sabem o gás da verdade é muito utilizado por psicólogos, professores e oficiais da lei - incluindo os polícias.

O gás da verdade costuma ser borrifado em ambientes onde se prevê confissão.
Depois que Walter Benjamin destrinchou de cabo a rabo a elaboração da experiência através da fala, os pesquisadores/capatazes das grandes indústrias em insurreição pacífico-científica resolveram colher na Bacia do Prata certa substância aquosa que decanta de toda narrativa alguns muitos milímetros cúbicos de mentira. Sua associação ao fluoreto de potássio culmina numa reação que provoca a inibição da fala mentirosa de modo que toda e qualquer alusão à verossimilhança seja aniquilada para que apenas verdades sejam ditas. Vejamos aqui, senhores, que a verossimilhança é em raiz parecida com a verdade, entretanto, ela caracteriza o discurso ao contrário da verdade, que o define. A verossimilhança é um mal social porque tem o poder de transformar mentiras em invenções críveis. Daí a perseguição aos artistas, no século XXI, que tanto quanto os charlatões se munem da verossimilhança para difundir o próprio ofício.

Transformada em gás, tal substância é vendida dentro de pequenos frascos borrifantes em farmárcias especializadas pelo Governo gerenciadas; apenas psicólogos, professores e oficiais da lei - incluindo os polícias - têm acesso à compra de tal produto.

Sua utilização em consultórios terapêuticos por exemplo, é simples e se realiza em questão de segundos. Algumas horas antes do paciente entrar no consultório, o profissional da psiquê borrifa três doses no batente da porta principal; o gás é inodoro e incolor, portanto, o paciente não tem consciência do processo. Durante a sessão, o paciente é obrigado por seu organismo a falar somente a verdade, facilitando o trabalho do terapeuta em interpretar objetivamente os caracteres da subjetividade.

No momento da imediata inalação, o gás da verdade não oferece nenhum perigo, entretanto, alguns efeitos colaterais posteriores foram detectados em testes com ratos, coelhos e porcos, tais como:

- Insônia
- Alucinações
- Síndrome da abstinência
- Dores de cabeça grau 5 (lancinantes)

Embora estes sejam problemas decorrentes do uso incosciente do Gás, alega-se que já não estão sob responsabildade do governo porque são naturalmente relacionados a outros fatores que não o processo confessional, tendo em vista que o processo confessional é entendido pelo sujeito como uma prática espontânea em que a fala mora nas pradarias do livre arbítrio.

O sujeito, que aqui podemos chamar afetuosamente de Alberto, pode no entanto perceber a presença do Gás se atentar para lisuras verticais impressas na porta principal do ambiente, marcas estas que se tornam indeléveis a partir do uso contínuo do produto.

Para cobri-las é indicado aos psicólogos, professores e oficiais da lei - incluindo os polícias, que utilizem panos e/ou lençóis brancos.

Entretanto, se Alberto for curioso e olhar debaixo dos lençóis, poderá ainda assim perceber a presença do Gás.

Tais procedimentos são reconhecidos pelo Ministério da Saúde e da Justiça e da Fazenda como socialmente eficazes, o que os torna legítimos diante dos Evangelhos modernos.

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