2.23.2012

como eu sou jovem, às vezes a sabedoria falha.

2.22.2012

Vamos chamar este estado de espírito, da espécie furacão, de vermelho.

2.21.2012

Conversa que poderia ser de bar

- Menino vai dormir.

- Mãe, alegria não tem hora.

2.19.2012

Não, não.

O problema não são os ossos, o problema é outra coisa.
O problema é o véu que recobre os ossos, e que não é feito de carne... é feito de uma espécie de água colorida quase rarefeita. Eu consigo vê-la quando deixo meus olhos semicerrados e observo o sol... mas também é possível enxergá-la nas lâmpadas incandescentes de banheiro.

Isto que sai da luz chama-se alma. Mas ando tão cega.
Tão boba com meus cigarros e ilusões alcoólicas.
Tão absolutamente adulta.
Tão desenfreadamente romântica.
Cantando pelos cantos as canções de todos os bares.

E por dentro essa dor que não vem dos ossos.
e me pergunto onde foi que eu coloquei a sabedoria

ela, tão pequena quanto um ponto de lápis, se perde fácil fácil
e eu ainda não estou conseguindo retornar desse tristeza place
o amargo gosto
da ausência

minuto a minuto mais fortalecida.

o mesmo tempo que me arrasta é o tempo que me oferta a cura.

o amargo sabor do remédio


não é a língua que sente, é o coração
é o ranger dos dentes.
antes de ser meio maluca assim, eu era um coelho quietinho.

Elefantes - Dezembro de 2009

Final de ano e dia chuvoso. Os pingos de chuva caem sobre a rua e se confundem com as luzinhas de Natal e com a pressa dos passantes encharcados e com o barulho dos carros no anti-movimento do trânsito pesado.

Cancelamos nossos compromissos da tarde para beber uma cerveja no bar. Não faz sentido, porque isso mesmo já é por si só um compromisso.

Se bebêssemos menos, se fumássemos menos, se caíssemos menos. Choraríamos mais.

Quando estou melancólica – que dor – olho para a foto pregada na parede, nela estou com cinco anos de idade no jardim zoológico olhando dois elefantes que andam em seu cativeiro como se estivessem em meio a uma grande selva cerceada. Por que ainda são imponentes, mesmo que enjaulados? Quem poderá calcular a tristeza dos elefantes? Eu nunca pude.

Teve um tempo em que eu queria ser um elefante. Casca dura, memória grande, corpo desajeitado que desbrava caminhos sem volta. Mas seres humanos jamais poderão ser elefantes como podem os passarinhos, por exemplo. Pois no primeiro endurecimento da carne, morremos por conta de uma tediosa compostura que não nos é digna.

Então virei qualquer bicho feito de couraça, que é uma imitação barata da pele dos elefantes. Virei um crocodilo.
Visitando velhas gavetas:


Eu era amistosa tanto quanto uma máquina de esquecer.

Usei a máquina de esquecer mas não deu jeito, em um pedaço do pensamento que continua fixo num horário exato: ela, toda hora em que acordo.

E agora se me perguntam onde eu vivo
eu digo
é por dentro, pelo espaço,
eu sou onde moro
o resto é dormitório


Janeiro de 2007

Bula

Afasta o medo e a ansiedade

Traz coragem e força para os embates cotidianos

Deixa fumaça no ar


Incenso? Não, a rua.

2.18.2012

A Professora Hedda

A senhora Hedda fala ora sílabas estrangeiras, ora sua língua pátria abandonada. Sua impecável postura remete a personagens clássicas do drama, mulheres que exibem todo o poder da elegância tradicional em sua altivez, na imponência confessa. É absolutamente claro como sua sobriedade causa em mim rancores diurnos e satúrnicos, se penso nela – e penso nos momentos mais inférteis de minha apreciação – sinto um pouco de esmorecimento, um desapego ao fôlego que escorre pelas quinas da mesa e atravessa o piso com todo cuidado. (Sou também um pouco vilã, se penso nela, retalho seu sorriso em mil pedacinhos mal mastigados).
O terreno do meu raciocínio não é apropriado para sua delicadeza e seus estudos acerca da neurofisiologia. Eu gosto é do profano e do resto do mundo e da beleza da ironia.

Certa manhã, a senhora Hedda, nossa professora, apareceu, espetacularmente, sem o próprio nariz. Ministrou sua aula com excelência, alongou nossos músculos todos, atingiu nossas vértebras com seu dogmatismo dançante, falou sobre seu último colóquio na França e inspirou profundamente na hora de responder alguma dúvida. Foi uma situação bastante incomum, se peito ficou cheio de ar mas a falta do nariz arrebitadamente perfilado a deixou com uma expressão suprema de sufocamento, a resposta saiu então desta maneira, um tanto afogada, no susto da claustrofobia interna.

Ela permaneceu impávida, quase gélida, gesticulando com as mãos serenamente, duas águas-vivas insípidas e desidratadas, bonitas. Não posso falar mal de seus movimentos ameaçadores, a senhora Hedda estudou, lá longe na Rússia, anos e anos a biomecânica e a arte de imprimir expressividade ao deslocamento corporal, é praticamente uma sereia grandiosa e rainha nas regiões mais abissais de todos os sete mares, uma quimera, monstro marinho. É especialista na feitura do diálogo entre carne e cerebralismos de ocasião.
Não sinto medo da senhora Hedda, não sinto nada; cotidianamente, sua presença na sala de aula me afeta tanto que bem poderia chamar-se ausência.

A certa manhã na qual ela surgiu sem nariz, porém, foi sim especialíssima, seus brinquinhos de pérola reluziam mais do que o breu habitual, o discurso fabricado pareceu menos viciado e mais vicioso. Tentando observá-la de lado, notei que a falta do nariz era maior do que o mecanismo psicofísico das emoções. Eu estava emocionada. A falta do nariz evidenciava enfim o dia ensolarado, o amor maior entre os seres humanos, a crença no progresso social, estímulos vulcânicos que promoverão o renascimento do planeta umbigo. Foram prazer e satisfação envolvidos por imagens românticas e anasaladas. Eu ri pela alma como fazem alguns animais que ainda não patenteamos, sapateei sobre minha felicidade castigando-a por ter se escondido durante tanto tempo naquele par de precipícios que eram as ventas.

Fascinada pelo transtorno bem apessoado de Hedda, eu me entreguei aos exercícios como pródiga boa aluna voltando para o lar. Não. Eu estava mesmo atenta à fisionomia de seu rosto esvaziado; nunca mais o cheiro de bolor, nunca mais a aflição da renite alérgica, nunca mais a poluição da cidadesãopaulo.

O que Hedda fizera na noite anterior fora atitude homérica, e eu nem imagino de que forma corajosa a professora conseguiu atingir a façanha de livrar-se do próprio nariz. Tanto não imagino que amo a transparência da verdade que se apresentou na aula, não há o que questionar. Ando vendo invenções que me absorvem tão intensamente... Como poderia explicar? É quase como sentir o cheiro do café do santo preto às seis da manhã. E eu sinto, não Hedda.

Quando naquela certa manhã, a senhora Hedda amanheceu sem o nariz, eu vivi por ela uma partícula de meiguice.


Setembro de 2008

2.15.2012

você esqueceu que você sou eu

você esqueceu que você sou eu
Eu estou sendo injusto e desgraçado
Eu estou sendo injsto e desgraçada
eu estou sempre injusto e desgraçado
Eu estou sempre injusto e desgraçado
lembrar do meu passado é como lembrar de meu último minuto
Eu estou sendo caçado
eu estou sendo coçado
estou comendo cocada
eu estou sendo amassado
eu sempre vôo um bocado
passo o tempo acordado
olhando o agora e o passado
e eu só fico calado
te olhando meio de lado
olhando mulher e viado
olhando o supermercado
ou a igreja
ou sem dizer nada
ou de olho fechado
fachada
flechada
felino
fogaréu
você é o culpado que foi trazido pelo vento trinta e três vezes você foi trazido mas você não me ajuda a me recuperar é como se fosse subir pelas costas tuas e parar nas costas minhas subindo sem sair do lugar subindo pela minha própria língua agarrado a ela e depois na gartanta plantado como um feto, néctar de flor te matando fazendo-te renascer e subindo sempre pelo teu catarro eu subo e vou subindo

quem sabe nascem asas
quem sabe me selecionam
e me dizem sim
até de costas
me dizem sim
até subir nas tuas costas
e cair
me abostar
sucumbir
escalavrar
socorrerei minha pele implorando para outra pessoa
tu não
eu?
eu mesmo
nós
nós mesmo
s
de sangrando
eu estou sangrando
você está sangrando
você não se machuca
você sobe
você corre seu desgraçado
volta aqui
volta pra mim
volta a ser criança
volta
VOLTA
ei, volta!
você esqueceu que você sou eu
todo mundo sabe
se queimar e se curar
se for para aprender o amor

ai o amor

vital virou a mesa
por que chegou teresa
a se ariscar
de sobremesa

petisco de incerteza

cancela a cerveja
só porque chegou teresa
a navegar

num mar de isopor

e corações apaixonados pelo chão

catavento vela
caravela no brinco da teresa
que animou a confusão
não sei saber bem qual foi a mazela
mas o vital saiu na rua de
sandália e solidão

teresa anti-donzela
não se doeu por tabela
e foi beber num viravirou
de todo amor a desilusão

2.10.2012

Inimiguirmão

Hoje vou morrer de pé
gritando:
"Olha a praia!"
arrastando os pés no seixo das balas
de borracha - será que estas servem pra apagar os passarinhos de asa quebrada dibujados pelos meus filhos?

hoje vou ser moribundo de olhar nosso rio
viramar
viralama
viralata
virabicho

Serei puxado de dentro
para o centro próprio da terra
a casa própria da mãe-terra
o centro de meu centro
que só caberá quem é meu irmão nascido em qualquer lugar
enterrados como vieram ao mundo, seus sonhos

nossos direitos parecem canhotos

Essa aula nós já assistimos, e eu sentava na última fila
A professora mandava calar
Desde o início foi assim, essa perseguição

Quero morrer hoje, joguem-me uma carteira à cabeça
estrangulem a minha família, e esse anúncio na tv

Eu te pego em outra vida, seu cão.
Em outra vida, inimigo-irmão.

2.03.2012

rei sol

ei meu rei
por que tão perto do sol
se eu já sei
que tua coroa é um girassol


se o tempo bom deixar
uma fisgada do anzol
para tempestade
que me fugiu
do copo d'água

mononuvens
cacos de vidro
telhado furado
granizo
ou somente um resfriado?

2.01.2012

Amargas noites doces

Amargas noites doces

Enquanto faz frio eu anoiteço
Enquanto faz frio eu anoiteço

Cubro-me da mais comedida sonora sonolência
Ouço o zumbido do apito do vigia noturno avisando a noite

- Mas quem guarda meu sono?

Tapei os ouvidos
Soprei fundo, de um trago
Amargas são as noites que não são doces

Debulhadas as sementes plantadas à cama,
areado o lençol amarelo sujo,
ignorada a maciez do conforto eterno onde repousaremos metade cá, metade lá
Que seja onde for...

Seu suspiro é a morte viva
Olha ela aí bem atrás de você, e na frente e na vida e no ronco
é o silêncio

Você se debate
Eu acompanho sem saber...nem vou lembrar, mas estarei lá
Até logo,
Acordamos.

As cicatrizes eram como camafeus...
e ele não podia tomar banho, senão perderia sua ávida casca protetora, que cuidava e curava todo o corpo do mundo.
Uns tratores inquebráveis demoliram as paredes de sua casa diante dos olhos de deus.

e ele nem chorou, porque já tinha completado sete.

Julho de 2011

4 E 24

Agora tão longe
dos tratados de amor ditos nos
cânticos de sábado
(mortos na ressaca do domingo-risoto-coca-cola)

Sozinha no quarto às quatro da manhã
penso no presente perfeito embalado pras tuas mãos.
Agora penso em sinfonias
penso nos teus beijos
penso também na beleza e necessidade
de solidão
penso na cidade e seu frio
penso no filho que uma amiga arrancou esta manhã
penso em quando desmancharemos os muros
com nossas britadeiras
penso no desemprego que me assola
e nas férias do desemprego,
penso na delicada melancolia das luzes existentes no inverno.

penso em antigos amores que me deixaram
doida – e é tão bonito que não paro de pensar.
Sozinha no quarto às quatro da manhã

penso na viagem que vou fazer para o rio de janeiro
penso nesta tosse que não me deixa dormir
penso em parar de fumar
ou em fumar um cigarro agora que não consigo dormir
sozinha no quarto às quatro da manhã

penso nos possíveis medos que me movem além-mar
decoro afogamentos, surjo de improviso num barquinho triste de pescar coragem.

penso em me dar de presente pra ti, assim, inteira e cheia de
mistérios escancarados, espalhados pelo chão da sala, palavras repetidas,
insônia calma, peito aberto e através dos olhos
lágrimas de travesseiro

penso em me dar pra ti assim, quem sabe talvez,
ou então atravessada pelo furacão
que criei de menino.
Para toda voz há um canto e eu canto.

e antes o que era cimento, esta tarde, virou ardor.