6.27.2012

Sibéria

Quando eu peço pra gente trocar os nossos casacos
é meio
que
pra te sentir num abraço.

6.17.2012

Rosto

Quando você aparece surgem plataformas concretas por baixo, nas chinelas, isso vem da calçada. Piso no cimento por secar. (Desculpem-nos) Você e os kilômetros. Quando estás torno-me. Uma cor mais real, física, presente. Uma avó viu-me. O último rastro de vermelho sangrado do pôr do sol estapeou-nos a cara quando mais precisávamos - gatilhos. O amarelo alumiou nossas três máscaras pesadas e sem faces que indiquem um futuro. Estas máscaras possuem suas asas próprias asas postiças que, fixadas às orelhas como anticorpos, impediam que escutássemos uma família submersa e infeliz gritar: Voltem-se um ao outro!!! Voltem!!! Outro!!! se ao... Porém Me levavam para longe como um balão. Era eu? Era ela? Fique sempre do meu lado. Preciso muito de ti! Te amo! Te amo! Essas são sentenças que precisamos dizer, repetir e repetir, sentir e ressentir. Necessitamos descer as escadas de nossos sorrisos dente por dente. Não pegue carona nos perigosos fios mentais, tento. Quando faltar um dente, há de existir um abismo com final previsto, chama-se nervo, mas calma, pode ser facilmente superado. Vamos esperar lá embaixo para aparar nossas banguelas? Se te incomoda ser finito, pinte um quadro. Estive no futuro e vejo nossa vida agora. Vejo dançando linda, gigante com seus brincos ornados de sementes estéreis, vejo sua pele macerada pelas incontinências do ofício que escolheste. Você ensinou feliz sem ser feliz. Vejo que é fiel. Vejo-te forte em mim. Vejo-me mas tive uma doença de visão que deixou estes óculos inválidos. Por que continuo usando óculos que nunca tive? Intriga é saber que lupas interessam-me desde já. Escreverei esta carta para jurar que superarei algo para ficarmos juntos superarei pare de dizer será? Talvez? Não posso esperar mais nenhum segundo, quero chegar à fonte das coisas onde jorra o sonho comum que todos tivemos na nossa primeira noite em berço de ouro ou enterrados na lama. Vamos logo, ou não teremos tempo de morrer sem culpa. Vens ou não?! Concordas ou não?!
Foi um dia inenarrável Onde nada aconteceu

6.14.2012

Quando saiu do banho viu aquele homem de dois metros de altura esperando no avarandado.
Bufou. Pediu para ele descer dali que não se entra na casa das pessoas assim, trepando na parede até a janela.
Ele seguiu as ordens e as instruções de ir até a porta e tocar a campainha.
Enquanto isso ela se vestiu.
Campainha toca. Ao abrir a porta ela lhe dá um beijo de língua, travando-lhe as costas num abraço apertado. Depois diz:

- Aqui no meu país a gente faz desse jeito.

6.11.2012

8 anos

Eram tantas as dúvidas
E eu queria apenas ser puta
Já havia cansado
Das presilhas e calcinhas
de algodãozinho
Atravessava a rua correndo
e me atravessava o vento
que revelava meus segredos
para os carros e seus passageiros
Eu corava e saía correndo
- O que de fato era
metade sincero

metade fingimento.

Contos do Imperador

Nunca esquecerás daqueles idos anos 90 quando o Imperador do Japão fez uma visita diplomática a tua cidade e foste a criança escolhida num sorteio de loja de departamentos para conhecê-lo e tirar fotos. Fotos com o Imperador e com o prefeito da tua cidade que, à boca miúda, diziam ser alcoólatra.

Percebeste duas coisas ao entrar no salão nobre do prédio da prefeitura. A primeira delas foi que o prefeito de fato era alcoólatra visto que se portava lânguido e violento como um pai ou um tio de poucas palavras e excessivas ações.

A segunda coisa foi que as paredes do salão nobre estavam repletas de infiltrações, o que tornava o ambiente úmido e sujo, pouco sedutor à política.

Mas tu eras criança e nada sabias das coisas da política, sabias apenas que poderias te sentar sobre o colo do Imperador para fazer uma bela fotografia com aqueles dois sujeitos importantes. Mais tarde, no dia e anos seguintes, poderias te gabar na escola e na vida por aquele feito notável.

Nunca deixes de lembrar, portanto, daquela fotografia - tão festejada numa moldura vermelha na casa da tua avó. Nunca deixes de lembrar o que até hoje perdura debaixo daquela fotografia, na cueca do Imperador a te cutucar as partes ainda infantis, enquanto te mantinhas sentada em tal colo imperial, diplomaticamente... exatamente como fora anunciado pela, sonora e senhora, loja de departamentos minutos antes do sorteio que te afortunou.
Eu muito pensei e resolvi falar a verdade.

Estou a criar um bicho a tua imagem e semelhança pelo qual, pouco a pouco, vou me apaixonando de modo a desabar amores e exalar um cheiro enjoado de pastilha para a garganta e/ou desodorante de flores.

É que me parece tão fascinante te ter amestrada aos meus pés que não me agüento de coração.

Só quando dormes te percebo selvagem, verdadeiramente humana. Só quando dormes.

Mordes o sonho até dar sangue e esse é o teu beijo mais bonito.

6.08.2012

Nesta noite de sexta-feira eu gostaria de estar um pouco mais disposta às alegrias.

Pedro está apaixonado então provavelmente desmancharemos o nosso acordo sexual de sermos o homem e a mulher um do outro para sempre durante uma noite inteira.

Liguei para a minha ex-mulher hoje... faltou assunto... corri de medo.

Queria saber onde está o ímpeto das verdadeiras paixões em mim. Até a ousadia de sofrer antigamente era maior do que esses soprinhos de dor quando eu lembro que quem eu quero não me quer.

Parece tão banal quanto cortar as unhas. Não dói. Amo por questão de higiene social.

Que triste isso.

Preciso novamente de boas doses de sangue nas veias.

Quero que minha paixão seja subversiva, quero que o orgasmo seja a própria revolução. Quero que o mundo trepe para ver como é bom.

Quero o meu corpo para o amor e para a política.
 


6.04.2012

Insensatez

Eu gostaria de ser um pouco menos ansioso que as pessoas com as quais ando saindo aí pelas madrugadas.

Esse pó vadio que eles cheiram de forma alguma me faria algum bem.

Mas... se eu não fosse tão ansioso, poderia dar meu nariz à prova.

E no dia seguinte não ficaria me sentindo como um merda que tem um coração no lugar do fígado.

Não ficaria chorando pelos cantos deprimido pela euforia esvanecida da noite em claro regada à cerveja e cigarros de filtro vermelho...

Se eu fosse um pouco menos ansioso talvez conseguisse chegar naquela menina que vezenquando demonstra me achar interessante quando falo sobre poesia e outras cosmogonias.

Não ficaria pensando na minha ex-mulher como uma pobre coitada e a deixaria enfim viver a própria solidão de forma digna na minha cabeça.

Enfim, se eu fosse um pouco menos ansioso não ficaria com esta alegria quase infantil toda vez que um temporal, como este que me sacode os vidros da casa agora, resolvesse arrebentar do céu. Eu simplesmente o engoliria numa golada de copo de requeijão e mataria calmamente essa minha sede secular.

6.01.2012

Que sonho bom
você viúva e de maiô
um sorriso de canto de boca

a revelar alguns desejos da boca

Diante de tamanha alegria, o mistério:
por onde andarás nas madrugadas
em que te admiro
do alto dos meus travesseiros?

(Travessa e certeira
a me provocar estados de amante...)