5.30.2013

Folhas

Há sempre folhas caindo no meu caminho
são amarelas são verdes
enquanto eu rumo a cidade
por baixo do sol que se esconde
dentro da caixa da história
o sol cravado no braço
o clima fantasma dos autos

aí vem a raiva e eu grito
me cozinha que sou carne assada
um pedaço de charque:
não é assim tão fácil que me esgoto
não é assim tão fácil que me corto
não é assim tão fácil que te esqueço
não é assim tão fácil que me engoles

Mas a folha,
sim,
As folhas que caem no meu lado
são um sinal pra jurar reverência
e não minto, estão comigo
amarelas e verdes
dependendo do vento, do lado, do olho

a folha que cai dá a paciência
são magos e bruxas que vivem nas copas
são águias e princesas que contam histórias
são gias avestruzes de outras alçadas
são João e Maria jogando pãezinhos

Outro dia uma folha caiu à minha frente
Aí parei
Desci do cavalo
Não quis acreditar mais no que o encanto me dava
peguei a folha
e repente
à mil metros do chão já estava

sentada à beira da cama
não vejo bem rindo/chorando
estava sentindo
era falta
se chorava, que doía
se ria, que lembrava

Estava por cima dela, sem nada poder
reações aqui misturam fluxos

passes por tudo
desejo
mas não por baixo da porta
um bilhete
suicida

5.21.2013

Céu Sujo

Concedo às nuvens o céu que criei
para alegrar-me
aos domingos
e em dias de funeral

(desses que são inteiramente feitos de ocaso)

Mas somente àquelas que
mereçam os
beijos lânguidos do vento

Cumulus Nimbus/ Nimbostratus /Cirrostratus


Nuvens que sejam dadas a dançar temporais

Nuvens que te façam parar e olhar para o alto

Nuvens que te convoquem (com discrição e elegância) a gostar de mim.

5.17.2013

LAUDO



constatou-se melancolia

(no raio-x o pulmão saiu empesteado de folhas secas)

5.09.2013



Esses reencontros fortuitamente oportunos
mesmo que não mais pelo entre lençóis
me dão um
cio
na memória


5.08.2013

saudades das aulas de mergulho

preciso
regressar

àqueles olhos verdes

5.07.2013

E toda melancolia do mar
foi a festa do que restava do povo
O mar chorou peixe.
O povo tinha fome.
O mar ou o povo
Não sei o que me dói mais.

5.03.2013

PERFORMANCE PARA MULHERES - elaborada por Raquel Morales

ferramentas:

1 arma de espoleta

execução:

ao andar pela rua, esperar ser abordada por algum homem, seja por um olhar mais invasivo ou até por palavras relacionadas ao desejo que ele tem pelo corpo feminino e suas intenções seuxais em relação ao mesmo. não deverá demorar muito para acontecer, visto que essa é uma situação diária na vida de 90% das mulheres.

quando o sujeito realizar sua ação, a mulher deve sacar sua arma de espoleta e atirar contra ele.

depois que o sujeito se refizer do susto dado pelo tiro à queima roupa (que provavelmente vai lhe atravessar subjetivamente as entranhas, causando-lhe vergonha e desamparo) deve-se falar o seguinte texto:

"é assim que eu me sinto toda vez que sou assediada."

5.01.2013

A BOLA DE FERRO (daquelas que eram usadas para derrubar as casas antes das grandes construtoras explorarem outras tecnologias de destruição) DA MEMÓRIA


E o tempo há de curar.

haverá
 

de fazer inclusive o poema
 

que fiz em teu nome
 

TORNAR-SE a ruína
 

de um edifício abandonado

adeus L abstrata

Quando  coloco a verdadeira L, a L de carne e osso, parida por sua mãe, egressa de cidadezinha do interior de São Paulo, ao lado da abstrata L, aquela que criei em meus desvarios, um relicário de pernas e cabelos, percebo ser mais interessante chorar pela segunda do que pela primeira.

Tirei essa noite para livrar-me da abstrata L que amei intensamente durante uma semana e meia. Temos uma semana e meia de mulher, portanto. Uma semana e meia de faxina. Uma semana e meia preenchida por todas as incivilidades trágicas que fizeram do meu coração um homem cego e ingênuo.

Primeiro aniquilo o encontro de mãos, quando trocamos sutis carícias em uma viagem de ônibus. Desfaço-me das mãos, todas. Através de uma máquina de triturar os impropérios do tato - como essas que esmigalham papéis de escritório. As minhas mãos e as dela. Escreverei com os pés daqui para adiante. Adiante. Adianto-me para o dia em que não me doerá essa flecha pontuda e salgada espezinhando minhas carnes - eu não sentirei mais dor, eu não serei mais eu, serei outra, serei velha, e terei me esquecido até do nome dela. L. Até o codinome dela será um endereço abandonado.

Deito fora as trocas de olhares fortuitos, segredáveis, em meio aos colegas de trabalho. Pinto as memórias de azul escuro, já não se pode destacar mais nada das imagens, somos apenas azul escuro e é tudo. O que resta é essa lambuza cor de mar denso, não se sabe mais quem é quem e quem está olhando para quem. Foram embora os olhares fortuitos em meio ao azul escuro. L é de um azul escuro abissal. A L abstrata... A L real tem a pele branca e se porta como uma menina, isto é, não tem nada de azul escuro.

Livro-me também das palavras doces trocadas em cartas curtas tecnologicamente portáteis. As confissões amorosas, o desejo confesso de estar junto.

(deus falou assim pra mim:

como você pôde acreditar em tudo aquilo SEM SEQUER DESCONFIAR DAQUELE GOSTO DE ADOÇANTE EM CADA BEIJO NÃO ACONTECIDO?!

deus não suporta quando pessoas inteligentes se metem a burras e fazem tolices.)

Não sobra nada do meu relicário de pernas e cabelos. Não sobram motivos para chorar. Mais uma vez arrumo e limpo minhas coisinhas de modo a deixar o espírito em ordem.

adeus L. Abstração minha, sem ânimo eu te escrevo essa última bagunça. Da tua partida cuido eu.

 Da L verdadeira, aquela que tem vaidosa adoração por ser chamada de princesa pelos meninos do bairro, aquela que sorri finos sorrisos de boneca para garantir favores, aquela que age pelas arestas da vida escondendo-se na retaguarda da guerra, a força do tempo pode cuidar.