3.17.2012

Ele não queria perder aquele corpo leve e lunar, quase sem gravidade, quase nutrido por qualquer substância da ordem das coisas leves.
Estrelas da espécie que flutuam.
Ele não queria despojar-se da dança cotidiana de seus passos, magros passos sobre o chão do mundo. Ninguém poderia convencê-lo a abrir mão daquela existência infestada de movimentos, golpes de vista, Minas Gerias.
Não, não, Minas Gerais era sonho adormecido.
Minas Gerais não passava de um desejo porque ele morava em São Paulo, afivelado pela correria de dentro e de fora dos transportes públicos. E havia o mar. Havia o mar. Era só pegar um carro e descer a serra.
O vento na cidade, entretanto, não era digno de fruição naqueles dias feitos de brasa de cigarro. O sol era matéria prima para o suor. O sol era a raiva dos homens toda derretida e pendurada no alto como um pêndulo de relógio antigo. A fornalha das ruas confundia-se com o coração.

Ele não queria deixar o corpo daquele jeito. Não assim atropelado. Não assim sem ter feito tudo que se pode fazer no mundo. Não sem rasgar ao meio as possibilidades da carne.

Mas morrer não doía. Não como as pessoas andavam pregando por aí.

Morrer era quase um prazerzinho.
E o mistério da vida para ele foi revelado... mas ele não tem como reportar a informação sigilosa às autoridades.

Morrer não dói, enfim, meu amigo Francisco.

E acho que outro dia ele falou do além comigo para me deixar com aquela pena cristã encrustada na alma:

- não dói, mas na minha dança o mundo era parte importante do corpo...

3.06.2012

Sabe quando teus pais brigavam e você punha Villa-Lobos no par de headphones?

Eu não fazia nada.
Não fazia nada porque quando os teus pais brigavam os meus já estavam separados há muito tempo.
Toda solidão que teus pais sentiram ao decidir romper com tudo - família, casamento, cotidiano - meus pais já tinham experimentado 10 anos antes.
Por que eram mais espertos?
Por que se amavam menos?

Não, porque meus pais eram mais velhos que os teus.

A dificuldade da solidão a dois são os silêncios. E os silêncios dos meus pais nos eventos escolares nos quais eles precisavam se encontrar eram absolutamente trituradores de estômago.
Eu lembro que sentia uma fisgada no coração dessas que eu sinto até hoje. Só que hoje é com anzol de verdade e mais pontudo e do tipo feito para pesca profissional.

Aí eu me enfiava nos meus pensamentos, feito você enfiava o Villa-Lobos nos headphones nos seus ouvidos.

Então eu posso um pouco dizer que minha imaginação era uma sinfônica de escapar.


Não não.

É que de alguma maneira eu tenho inveja de ti e dessa tua dorzinha de infância.


(Se eu pudesse ter burlado os silêncios, meu amigo, eu o teria feito indiscriminadamente e com um sorriso cínico na beirinha da boca).

3.03.2012

81

Quando caiu clamou por Deus
Pediu que não a abandonasse nunca
Implorou para que o punho voltasse ao lugar de onde nunca deveria ter saído
As clavículas
O seio

Deus estava lá
Ela só despencou por que ele tinha ido lavar uma xícara de café
sem açúcar
descuido
Ela caiu
Hoje está bem

Deus, escondido, está trocando a lâmpada

3.01.2012

Imagens da Presidente Vargas

Uma profusão de cabelos...!

Foi assim que começou a chamar aquela mulher sentada no banco.

Também a nomeou de estalactite

e estrada de pedra

e voragem.

Tentou ir, não conseguiu... a partida armava-se toda do avesso, dizia fica. vai fica.
ou vai, mas se for é pra sempre.

mas pra sempre ele não queria, porque senão não poderia olhar para trás... então ficou nas ousadias das grades da janela admirando aquela que de tantos nomes tornara-se planeta inexplorado.

Em certo momento ela se levanta, pega a bolsa e vai embora da praça... atravessa a rua, entra numa casa de sucos, depois de cinco minutos sai da casa de sucos, apanha um ônibus e some da vista possível.

E ele ali tão prisioneiro e seco, a cuspir na calçada - lá embaixo! - restos de comida e coração.