Sabe quando teus pais brigavam e você punha Villa-Lobos no par de headphones?
Eu não fazia nada.
Não fazia nada porque quando os teus pais brigavam os meus já estavam separados há muito tempo.
Toda solidão que teus pais sentiram ao decidir romper com tudo - família, casamento, cotidiano - meus pais já tinham experimentado 10 anos antes.
Por que eram mais espertos?
Por que se amavam menos?
Não, porque meus pais eram mais velhos que os teus.
A dificuldade da solidão a dois são os silêncios. E os silêncios dos meus pais nos eventos escolares nos quais eles precisavam se encontrar eram absolutamente trituradores de estômago.
Eu lembro que sentia uma fisgada no coração dessas que eu sinto até hoje. Só que hoje é com anzol de verdade e mais pontudo e do tipo feito para pesca profissional.
Aí eu me enfiava nos meus pensamentos, feito você enfiava o Villa-Lobos nos headphones nos seus ouvidos.
Então eu posso um pouco dizer que minha imaginação era uma sinfônica de escapar.
Não não.
É que de alguma maneira eu tenho inveja de ti e dessa tua dorzinha de infância.
(Se eu pudesse ter burlado os silêncios, meu amigo, eu o teria feito indiscriminadamente e com um sorriso cínico na beirinha da boca).
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Era Alladin que eu ouvia, Villa Lobos veio depois, numa capa bonita. Era o vinil mais bonito, tinha cor de cobre, com papel azul esverdeado e com um desenho do Alladin ao centro, que lembro até hoje, em contornos brancos. E lembrei agora novamente do momento em que fiquei surdo para sempre dando o primeiro voo para além de toda a dor do mundo visível que era a física em meu olhar. A partir daí fiquei meio frio, foi visível, com todos os sons e gritos imagináveis para dentro de mim: "Jafar!!! Não me tranque aqui Jafar! Fui eu quem pegou a lâmpada para você! Jafar...Jafar..."
ResponderExcluirEles nunca foram casados, cada vez sei mais e mais sobre isso. Vou apagando todas as minhas razões. Finjo que tenho uns problemas, ando de bicicleta, fico louco pra dentro. Penso que fui treinado para as fulgas desde cedo: usando meias calças da cabeça, espelhos gigantes que refletem nosso tempo, romances que vão e voltam nas mãos...um tempo interno sem cura, estagnado, que eu também fujo parado em círculos cruzados encruzilhados, como quem corre da cruz pra cruz.