10.13.2009

Eu No Círio - Paloma Franca Amorim

Com o vendedor de fitinhas, santinhos e terços:
- Moço, isso aqui é fitinha de Bom Jesus de Congonhas...
- É tudo santo!
- O senhor é de Belém?
- Não, sou de Aparecida, é a primeira vez que eu venho nessa festa.

Em dia santo não chove. Em Belém é assim já faz séculos, a única água que cai do céu é dos apartamentos, atirada sobre a corda por todos os vizinhos do mundo para refrescar os promesseiros, eu mesma já joguei bacias e bacias de água da casa da minha tia na Avenida Nazaré. Quando eu era criança isso estava muito mais ligado à tentação da traquinagem do que a qualquer resquício de altruísmo em mim, tive que crescer para descobrir que água umedece a alma.

Aqui em São Paulo não foi diferente, depois de um longo friozinho de início de primavera, regado pelo desregulado clima da grande metrópole caótica, o sol apareceu e animou o meu dia. Peguei o carro e fui para o Círio que a comunidade paraense da zona Oeste faz numa igrejinha lá na Sumaré. De Círio vi quase nada, a Santa estava meio escondida atrás das barracas de maniçoba e doce de cupuaçu.

Comprei aquela CERPA e a vi esquentar em dois goles - lembrei dos bons tempos de chazinho de cevada na calçada da Pariquis, no antigo Café Imaginário.

Procissão não teve, teve fila homérica na barraquinha do vatapá. Haja fé!

Um pratinho ralo: R$20,00

Me contentei com uma empada de camarão & uma unha de caranguejo. Lembrei da praça do Carmo, no Recanto em que uma tigela de maniçoba era cincão.

Nem Guaraná Garoto tinha.

Eu meio deslocada fiquei olhando pela beira dos óculos escuros uma moça e um rapaz dançando aquele bregão jurunense que eu só ouvia de sábado à noite quando dormia na casa do meu pai.

Bati um fone pro Ícaro: ê! Feliz Círio!

Ele estava dormindo.

Vi uma menina que estudou comigo, fingi que não vi. Acabei parada no meio daquele pátio pensando que Círio de fundo de quintal é muito ruim, pior do que os forçados almoços em família que eu passei durante tantos anos, pior do que ter que representar o meu colégio na barquinha dos milagres, pior do que acordar às seis da manhã pra chegar cedo na Casa Chamma, pior do que andar oito quarteirões apinhados de gente pra chegar em casa no final do dia, pior do que o cheiro de mijo em todas as esquinas da cidade, pior do que passar por turistas deslumbrados que tudo tentam patentear, pior do que comer pato no tucupi aos quilos e passar mal depois.

No Círio de 2006 eu e minha irmã inventamos a palavra de ordem: Círio de Nazaré, perdemos a mãe mas não perdemos a fé! (Muito putas com a Nazica e com o João Carlos Pereira que era o porta-voz dela na TV Liberal).

Eu até prometi que ia na corda se ela sobrevivesse. Não me atenderam, pior pra corda que perdeu o meu corpinho sinuoso.

Quando eu ganhei aquele concurso de redação em 2002 (do qual ninguém se lembra porque todos perderam a fé!), o cara da rádio Nazaré falou:

- Quê que Plácido tinha na boca quando encontrou a imagem de Nossa Senhora?
- Hum... (Não, sei... eu sou atéia moço... deus é o sol.)
- Dentes!!!
- (Ah ê! Bonachão! Que anedota boa, campeão!) heheheheheeheheh!

Quando a mesma peste do apresentador perguntou para as meninas que ganharam segundo e terceiro lugar sobre a importância de Maria elas falaram sobre o Espírito Santo e a Santíssima Trindade.

Para mim surgiram três possíveis respostas:

1. Maria?! O nome dela não era Nazaré!?

2 Maria é 13! É PT! (Em função da nossa candidata às próximas eleições para a prefeitura de Belém).

3. Maria... eu não sei se é um homem, se é uma mulher... se é um espírito. É uma força muito grande. (Foi essa que eu escolhi, Luana depois disse que eu peguei pesado questionando o sexo da Santa. Tia Ana Lúcia falou que eu tentei romantizar a coisa e transformei nossa padroeira num travecão).



Minhas doces concorrentes usavam saias brancas, sapatos com saltinho, presilhas no cabelo e eu já era meio sapa.

Tio Sérgio me chamou para ler minha redação na casa dele, no dia da novena. Dona Sônia chorou bicas enquanto eu flertava com o neto dela.

Tá, Paloma, você é a porra-louca que Deus gosta. Complexo de Cazuza, quer chocar o mundo, quero-ser-tropicalista.


Não, não... eu só tô é com saudade.

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