4.09.2009

Farinha

Então tinha esse lance dos dois, a comida.
Ou melhor, a fome.
A fome era o desejo primeiro, e depois chegavam as maneiras de saciar este desejo primeiro. (fome de sal, fome de trepar, fome de pato no tucupi, fome de engolir o rio numa colherada só)

Numa outra história que anda morando por aqui na cabeça, tem também esse compartilhamento, mas de outro jeito, era o café da tardinha, café com leite, pão e manteiga e queijo, goiabada, broa de milho (porra, eu adoro broa de milho), depois lavar as xicrinhas na pia, ver o fim do mundo chegar no quintal de bobeira, só pra vida bocejar.

Aí nas duas histórias tem um momento de solidão, sei lá, caso de casal que não se quer mais diz tchau e vai embora; a situação do compartilhamento fica só na saudade portanto. E na verdade a trama começa já no campo da falta, não tem cena de amor, de lágrima, de separação, nas duas histórias as moças já estão sozinhas, cozinhando.

Uma eu já sei, inventou de assar biscoitinho de aveia, está empoada de farinha de trigo, com as mãos oleosas de manteiga pra massa não grudar; não tem ovo na geladeira, e só precisa de UM ovo na receita, ela então desce duas ruas até o supermercado atrás de UM ovo, mas ovo não vem de UM, vem no mínimo de seis. Então ela pega uma caixa sem perceber que um dos ovos está podre, não percebe porque não dá a mínima para os outros cinco ovos que restarão, ela só precisa de UM que seria escolhido num jogo entre o tato e a livre combinação matemática.



Ao passar pelo caixa percebe que a caixa de ovos está vazando, e pela primeira vez arrisca dar uma olhada para apurar o crime. Cinco são meio vermelhos, de cara viva, um é amarelecido, quase esbranquiçado, e debaixo dele uma mancha gema forte marcando o papelão. A atendente faz um escândalo tornando a situação ainda mais incômoda.
Cheiro incômodo de ovo podre.

O gerente do supermercado passeando por ali comprou a briga, mandou jogar fora a caixa, disse pra um empacotador ir voando pegar outra para repor.

Um ovo morto que matou os outros.

Entretanto, essencialmente, um ovo morto não precisa sacrificar os outros para ser aniquilado, por isso ele cheira tão mal, num alerta individual que deveria evitar o aniquilamento de outro ovo, saudável.

Uma possível omelete saudável, ou bolinho de chuva.

As pessoas é que têm nojo demais. Como a moça do caixa que passou álcool em tudo depois do acontecido.

Como o rapaz na fila que pensou: como ela não percebeu que o ovo estava podre?

A moça nem vê nada disso, pega suas compras, outros seis ovos novos e bons, sobe duas ruas e volta ao primeiro momento da história.

Eu, que não levo desaforo pra casa, no lugar da minha moça teria dito:

O CASO AQUI É O OVO,
MAS TAMBÉM NÃO É O OVO. NEM OS OUTROS CINCO,
CONTAMINADOS OU NÃO,
O CASO AQUI É O OVO PODRE
MAS NÃO É O OVO PODRE.

CARALHO,
EU SÓ QUERO MEU BISCOITINHO DE AVEIA.


Bom, sobre a solidão, não sei...

Pode ficar bom tacar uma dor de peito nela em algum momento.

Eu me perdi.

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